Prólogo
Victor
está no palco. Sozinho é sempre ansioso. Seus pensamentos precisam de outras
personagens para se construir. Ele inventa para dar sentido às coisas como se
sua existência dependesse do seu encadeamento de ideias. Acompanha as pessoas.
Descreve e dissimula. O prólogo é dado como se estivesse pensando um romance.
As meninas entram cada uma de uma vez. Não o escutam.
Rory
entra
Victor: Não que isso tenha alguma importância, mas Rory
significa cabelos vermelhos e ela nem é ruiva. Talvez seja esse o trunfo da
bailarina, pra ela o 'pra sempre' nunca existiu. Ela não tem amarras, não tenta
se segurar em nada enquanto cai... Para cair basta estar de pé.
Ana entra
Victor: Mas Ana não. Não tem nada que seja só dela. As
vezes até se confunde nas outras pessoas, olha de relance e pensa ter se visto.
"Desculpa, achei que fosse eu". Isso é ótimo. "Achei que
fosse".
Uma bem branca, com sardinhas mas não chega a ser albina, é pequena
como sua boca, cabelo, olhos, nariz. A outra não, é toda grande, nádegas,
escápulas, braços, costas, seios, mas a cabeça é pequena. Sinteco. Fica. Bancos,
veja multiuso maça verde, mais poder de limpeza. Duas mulheres. Tem alguma
coisa grande na pequena? A mente... a mente deve ser grande, vira a página.
São 40
delas, soltas pela cidade. Duas delas se esbarram no metrô. Quem esbarra não
pede desculpa e a esbarrada, sem perdão, joga a outra na frente do trem que vem chegando. Essa situação provocou uma ação em
Paris. Fechem as estações com vidros, de modo que somente as portas se abram,
quando o trem chegar. São 40 delas, soltas pela cidade. Duas delas se amam durante
meia hora. Duas delas se encaixotam no centro do bairro. Duas delas
envolvidas na produção de pães de queijo. Duas delas na venda de mate
supervalorizado. Duas, delas, nota-se o pronome ''minha''. Quantas sobram?
Inês entra
Victor: Inês, ali! preciso lembrar, sem
falta, são duas da tarde. Eu preciso falar uma coisa que eu tava pensando agora
há pouco. Quando ela terminar o que tem pra fazer, ela responde?
Inês se encaminha para o segundo andar da barca
Victor: Ah... não sobe hoje, não!!!
Cena 1
Victor observa Inês minuciosamente. Cada gesto dela é um roubo de ar
dele.
Victor: Uau. Totalmente Circunstancial!
Inês: Oi?
Victor: haha ai ai. Desculpa. Eu costumo nomear meus encontros com mulheres.
Inês: Isso não é um encontro
Victor: Claro que é. Estávamos os dois passando no mesmo lugar na mesma hora.
Probabilidade é matemática.
Inês: Achei que encontro fosse química.
Victor: Erro comum.
Inês: Por que Circunstancial?
Victor: Bom, não é programado, nem almejado, sequer manipulado, evidente, preliminar,
autoritário...
Inês: Eu achei um pouco autoritário.
Victor: …
Inês: Tudo bem. Eu gosto. Quer tomar um café, ó grande mestre dos encontros?
Victor: O que? e mudar o rumo das coisas? Não, a gente tem que se despedir aqui.
Inês: E se eu não quiser?
Victor: Não depende de você. Qual o seu nome?
Inês: Circustância
Victor: Prazer
Victor faz como quem vai beijá-la. Ela enfia os dedos dentro da sua boca
e sai. Ana passa limpando os bancos.
Victor. A mulher grande limpa meu assento. Que
prazer. Sinto cheirinho de maça verde. Talvez seja interessante que eu mude de
assento para continuar o trabalho dela, mas só saio daqui se ela me tirar. Sua
cara revela que não está confortável no lugar que ocupa. (Ana tosse para
fazê-lo sair) Ela tosse.
Victor. (volta atenção para Rory) A
pequenininha quase se anula, sua presença não faz questão de estar presente.
Ela muda de posição e esse é o único indício de sua presença. Se ela não
mudasse, talvez achasse que fosse o sinteco. O recipiente de veja está aberto.
(Ana grita)
Victor. Ela grita, com certeza não gosta desse trabalho.
Ana. Eu adoro esse trabalho.
Victor. A mulher se manifesta com ímpeto. Estranho. A
pequena olha, depois de tanto tempo recolhida. Será que vai dividir alguma
coisa com a gente? O dedo esquerdo bate no andamento 12 12 12 12. Indício de
ansiedade ou chamar o foco para si? Conseguiu. A mulher grande insiste em
limpar os bancos com tantos outros lugares sujos. Veja maça verde limpa
qualquer tipo de material. Interessante.
(Ana derrama um pouco de veja na roupa dele.)
Victor: Almejado
Analu: Ihhh, ó, dá licença que eu tenho que limpar toda essa parte aí e se eu
parar pra ficar de conversinha não consigo terminar e amanhã vai ser duas vezes
pior e nada tão ruim como dormir sabendo que amanhã vai ser pior do que hoje.
Victor: Convincente
Analu: Sai
Ana vai para o fundo de cena até sumir sem que lhe percebam. Rory pula
em cima do Homem.
Analu: Te pegou, hem?
RORY: AH,
DESCULPA! É QUE VOCÊ ME DEU UMA VONTADE DE ME JOGAR ASSIM, SABE?
HOMEM: É...
OK.
RORY: LEVANTANDO-
SE: PRONTO.
HOMEM EMBASBACADO: NOSSA!
EU REALMENTE... NEM SEI COMO REAGIR. VOCÊ ME SURPREENDEU MESMO. UAU... (RI)
PARABÉNS.
RORY: NÃO ME
LEVA A MAL. É QUE SE EU NÃO FAÇO, NÃO CONSIGO DORMIR DEPOIS. FICO ME REMOENDO,
PENSANDO COMO SERIA, VIRANDO DE UM LADO PRO OUTRO, ACABO COM AS MINHAS UNHAS,
VIRA UMA QUESTÃO EXISTENCIAL, SABE? É SÉRIO! NUNCA TEVE ISSO QUANDO DEIXOU DE
FAZER ALGUMA COISA?
HOMEM: JÁ,
AHAM. EU ENTENDO.
RORY: UFA!
QUE BOM, TCHAU
HOMEM: NÃO,
CALMA! ISSO FOI MUITO INESPERADO EU NÃO COSTUMO FICAR ASSIM, VOCÊ REALMENTE..
RORY: OLHA,
EU REALMENTE, SÓ QUERIA PULAR EM VOCÊ. AGORA DÁ LICENÇA.
HOMEM: EI! SEU
NOME, PELO MENOS.
RORY: COMO SE
ISSO TIVESSE ALGUMA IMPORTÂNCIA. RORY. SIGNIFICA CABELOS VERMELHOS. E EU NEM
SOU RUIVA.
Pausa.
Saem cada um para um lado.
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