fragmentos do trabalho de João Castilho

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Versão do texto do Caio - Abismo entre o sofá e a tevê.

Por favor, não me entenda mal, a gente nem se conhece, mas eu precisava falar algumas coisas que eu comecei a pensar nos últimos minutos. Ou seja, se nem eu e nem você sabemos como viemos parar aqui quem será mesmo a testemunha do nosso fim? Quer dizer, aquilo que não tem nem mesmo início registrado pode terminar e ser classificado como dado, acabado? Olha, eu sei que o meu discurso pode parecer um pouco confuso ou até mesmo egoísta. Mas na verdade eu estou tentando clarear um pouco as coisas. Tudo bem? Como eu ia dizendo, me lembro de estar sentado, tomando uma boa caneca de café e, naturalmente, fumando um cigarro. O dia não estava muito quente e a manhã parecia de domingo. Maria Bethânia dizia coisas tão lindas que o meu corpo se desdobrava em música, derramando canção pelo espaço. Ela cantava e eu repetia. Era uma manhã comum se não fosse pelo barulho que atravessou a sala. De repente um estrondo, um buraco que se abriu no chão entre o sofá de três lugares e a televisão que não é de plasma. Sem aviso prévio, algo resolveu cair, aqui bem no meio da sala, e CABRUM! acabar com tudo. O objeto não identificado caiu, abriu buraco no chão, fazendo passagem entre um apartamento e outro. Depois disso, bem depois disso era só poeira e ficou difícil de identificar os próprios móveis que eu mesmo havia escolhido. Fiquei com medo, confesso. É sério, por favor, não ria de mim! Pode parecer bobo, mas quando se recebe algo que não se espera a reação de espanto é uma coisa comum. Pode acontecer com você também, entende? Demorou acho que uns vinte minutos para a poeira baixar e eu poder conseguir voltar a ver o apartamento. Durante este tempo, eu fiquei sentado no chão, segurando a caneca de café, o cigarro fumado e Beth já não cantava mais. Depois da poeira veio a claridão. Uma luz tão forte vinda do buraco abarcou o apartamento por inteiro. Neste exato momento eu pensei: meu Deus, acho que não estou vestido de forma adequada para receber visitas de outro mundo. Eu usava uma camisa regata rosa e velha com pequenas caveiras estampadas. Em outros tempos, usando essa mesma camisa, fui objeto de desejo e tensão através dos olhos de outros rapazes. Além dela, uma cueca samba canção vermelha com miniaturas de vacas também estampadas. Ou seja, eu era, na verdade, uma visão bem mais extra-terrestre do que qualquer outro que pudesse aparecer. De onde? Como assim de onde? Do buraco. Foi nesse meio tempo que fui atravessado por uma enorme vontade de urinar. A minha bexiga parecia ser maior que o buraco, mas para chegar até o banheiro eu precisava passar por ele - o buraco. Mais uma vez tive medo e, apertando com as mãos o ventre, desejei que a vontade passasse para que eu não precisasse cruzar o enorme abismos que agora morava no meio da minha sala. Você pode, se quiser, achar insano tudo isso que eu estou dizendo, mas eu realmente acredito que nessas minhas últimas lembranças esteja a saída para descobrirmos em que lugar estamos. Depois disso, não me lembro mais de nada. Olhando para mim agora, vejo que não estou molhado e nem com a roupa suja. O que me leva a constatar que a vontade de fazer xixi deve ter passado ou aqui neste lugar que estamos as pessoas não fazem xixi. Aliás, você já fez xixi desde que chegamos? Desculpe a pergunta imprópria, se não quiser responder não precisa. É que a gente nem se conhece tão bem, mas eu precisava falar sobre essas coisas que eu comecei a pensar nos últimos segundos. Posso lhe pedir um favor? Você seria capaz de medir os meus membros para ver se eles aumentaram. É que desde que chegamos aqui sinto uma dor enorme no corpo... Parece que estou carregando algo realmente maior do que eu costumava ser. Por favor, diga alguma coisa mesmo que seja mentira. Eu adoro mentiras bem contadas. Na verdade, tudo que é farsa me envolve como nenhuma outra coisa. Será que por aqui conseguimos encontrar um cinema, uma pequena lojinha para comprar cigarros e uns chicletes. Hein? Moça, pelor amor que você tem aos seus filhos, se é que você tem filhos, não me deixe falando aqui sozinho. Hein? Moça? Bom, quando você terminar o que tem pra fazer, me responde, ok?


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