Janice vivia
enamorada de seu umbigo. Não fazia muito tempo que havia dispensado dois gêmeos
fortes, másculos e apaixonados para poder ficar sozinha consigo mesma e
apreciar – sem uma alma para lhe roubar a paciência e o humor – aquele
buraquinho perfeitamente bem delineado de sua barriga.
No inicio, era em
frente ao espelho, com uma mão a arriar a calca e a outra a levantar a blusa
próxima aos seios, que a moçoila se desmanchava em elogios. Que umbiguinho
divino!, gabava-se para si mesma. Que curvas primorosas! Que coisinha mais
magnífica! E assim sobrevinham que issos e que aquilos até chegar a noite.
Numa sexta-feira,
ao olhar para baixo casualmente, percebeu que poderia enxergar muito mais
detalhes de sua obra-prima natural se a admirasse diretamente, sem mediação.
Foi o fim do espelho e o inicio do torcicolo. Janice encurvava-se cada vez mais
para aproximar seu rosto do umbigo. Aos poucos, sua coluna foi se transformando
num arco. Janice já não era mais capaz de ficar novamente ereta: levava as
semanas, os meses, os anos enroscada em si mesma, apaixonada que estava por seu
buraquinho.
Numa outra
sexta-feira, ao tentar ajeitar suas costas arqueadas, tocou sem querer os
lábios em sua barriga. Muitissimo feliz com a nova possibilidade, repetiu
infinitamente o mesmo gesto. Impulsionava o tronco para frente e beijava seu
umbigo. Beijava beijava e ria satisfeita. Dos beijos, passou às lambidas.
Gastava horas lavando seu umbigo de cuspe.
Numa sexta-feira,
de súbito, prendeu lua língua num buraco aberto pela acidez de sua saliva.
Mesmo assustada, Janice amou a novidade. Com o transcorrer dos dias, das
semanas, dos anos, o buraco tornou-se gradativamente maior: penetrava nele não
só a língua, mas também a boca e o nariz.
Numa derradeira
sexta-feira, Janice trancou as orelhas no seu umbigo. Ao invés de tentar
tirá-las, introduziu-as ainda mais, arrombando de vez seu buraquinho. De
repente, zupt!, foi-se a cabeça de Janice para dentro de sua barriga.
Extasiada, forçou a passagem. Os ombros entraram com uma certa dificuldade.
Depois deles, o buraco se distendeu, facilitando o ingresso do resto de seu
corpo. Os braços, o peito, as pernas, os pés submergiram em Janice como água
escorrendo pelo ralo. O ultimo a sumir foi o piercing.
Hoje, Janice vive
feliz, inteira dentro de seu umbigo. (Stigger, Veronica. O trágico e outras comédias. Editora 7 letras, 2007)
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