fragmentos do trabalho de João Castilho

quarta-feira, 31 de outubro de 2012



quando eu vomitar as borboletas tudo será resolvido.

Memória metalinguística- Ontem achei um caderno de álgebra...


Saudades daquele futuro da infância, em que eu tinha mais de 1 metro e 60 e você ainda cavalgava por aí, com espada, coroa e o escambau. Tudo era sempre começo. O futuro acontece primeiro em nós e quase nunca condiz com o que vem a ser de fato. Melhor, arrisco dizer que só existe o primeiro, de dentro, inventado e o resto é tudo presente espalhado debaixo de um monte de árvore de natal, cercados de papai Noel, Coelhinho da Páscoa e outras mentiras mais graves. O meu futuro era ótimo! Embora fácil demais. Aí não serve. Não é assim que a gente aprende no teatro? Nada podia dar errado, risco zero, vitória garantida, felicidade plena, eterna corrida pro abraço, eu tinha mais de um metro e sessenta olha aí?! Pra você não devia ser tão bom. Cavalgar se torna cansativo quando só se faz isso 24 horas por dia, ou mais! Meu futuro era um dia só, um dia imenso, de 24.000 horas pelo menos. Sem falar no passado que ele carregava em que eu atuava com o Al Pacino, a Laura Cardoso, o Jhony Depp, o Tony Ramos, o Anthony Quinn, o Pedro Cardoso, a Audrey Hepburn, o Paulo Autran, o Brad Pit e o Selton Melo. Fernandão não aguentava mais ser minha avó, toda novela era isso! Eu chorava cantando “Carolina” com o Chico e o Caetano juntos em minha homenagem. Eu tinha filhos e te dava um descanso da cavalgada. Você ia do cavalo pra cobertura na Vieira Souto que às vezes era casa na montanha e até Ilha deserta quando me revoltava com o mundo. Eu ajudava uma porção de gente, tinha escola de arte, projeto na África, em Bié pra ser mais precisa, sede no Nordeste, eu era praticamente um Deus. Pra quem já quis ser Papa. Juro! A minha primeira decepção foi saber da impossibilidade de me tornar Papa. “Que injusto!” esbravejei contra o machismo no auge dos meus cinco anos e meio. Quanta memória cabe em 1 metro e 58? Se depender de volume tem alguma coisa errada ou então sou 95% lembrança e 5% de água. Acho que fiquei desidratada de tanto chorar. Eu devia te fazer cavalgar até hoje sabia?! Era tão melhor quando a solidão era compartilhada! Dois vazios imensos e uma lua no meio. Agora que sou eu e esse Austríaco louco que grita qualquer coisa dentro de mim, esse hóspede estrangeiro que tampouco conheço e nem ao menos fala a minha língua. Meu inglês é ruim, mas ele também nem se dá ao trabalho de tentar, continua balbuciando esse quase alemão desesperador. O pior de tudo é estar a sós com ele. Um pouco de idade a mais nos pés faz falta em momentos como esse. Mas sequer completei os dedos, o resto é pose de quem sempre teve que se fazer de maior e ainda assim é barrada em porta de boate. 17 é pouco, mas o suficiente pra cortar um futuro em pedacinhos e espalhar pelos quatro cantos do mundo.Será que vou ter que recolher tudo nos próximos 83 anos que me restam? “guarda tudo depois”, não é assim que a gente aprende? Será que o estranho veio me trazer os dois pedaços de futuro que caíram na Áustria? Será que um dia terei um Japonês dentro de mim? Como é que está o seu cavalo numa hora dessas? Quantos presentes cabem debaixo da nossa árvore de natal? E se eu falhar? E se alguém encontrar parte desse futuro e se negar a me devolver? E se te acharem primeiro? Hein? Eu me mato! O quadro cada vez mais cheio de funções e logaritmos e eu aqui com questões tão mais intrigantes. Dá vontade de levantar e escrever os meus problemas também. Sempre me diverti com a possibilidade que carregamos de enlouquecer a qualquer momento. Deveríamos usa-la de fato com mais frequência. Será que um dia serei capaz de ao menos ler isso tudo pra alguém? Será que o farei com a mesma tranquilidade com que revelo meus devaneios papais. Acho que não. Tenho a impressão de que já envelheci tudo antes. Agora resta colecionar cacos e marcas, enquanto espero as pernas cansarem. O sol sem protetor dos 15 começa a fazer efeito junto com a Vodka da formatura, os Mc Lanche felizes e saltitantes por causa do brinquedo da infância, a futura cerveja da faculdade, as noites viradas do vestibular, das festas, das angústias, das cólicas, dos filhos que chegam, dos filhos que não chegam, dos filhos que seguem, dos filhos que tem filhos, do fim que tarda mais sempre aparece. 

...

[diálogos que nunca existiram]

Memórias da ausência.

                    Daqui a vista parece truque. Vamos colocar os corpos nos eixos e resolver tudo de ordem aleatória como em contos de flor. Queria que chovesse pelos ouvidos e que todas as possíveis palavras fugissem e nunca mais dessem as caras. Os corpos permaneceram na mesa de lembranças. A gente podia guardá-los e de vez em quando brincar de quebrá-los sempre quando as asas tomarem frente. Assim podemos fingir que ficamos tristes com a falta de memória. E se o corpo for a flor? Não. Agora não quero pensar em idiomas de continuação. Vamos enquadrar as trepadeiras do quintal e tudo estará resolvido. Tudo sem acordo algum. Sem fita.Sem barco.Sem sempre.Sem colo. Sem sétimo sentido que nos condena.
                    Tô indo mãe, só tenho que terminar de contar esses dias, preciso separar os azuis dos verdes e os verdes dos vermelhos, não posso me esquecer de nada ,  juntar as noites e principalmente embaralhar as pálpebras para não mais se ter dúvidas da minha ausência. Preciso separar em ordem alfabética algumas partes de mim. Alguém perdeu essa etiqueta? Se não tiver dono é minha. Quando eu terminar a coleção tudo estará resolvido. Quando eu aprender a fazer cores de mentira tudo estará resolvido. Quando eu separar essas agulhas tudo estará resolvido. Quando eu pontuar os pássaros no papel tudo estará resolvido. Quando algum poeta cuspir na minha cara tudo estará resolvido.
                       Quando eu começo a entender embaralham-se novamente os truques e partimos para outras janelas.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Nova Friburgo, ano 2011/2012

Foto Luciano Martins Ratamero

eu só busco um objeto para pousar minha admiração

Por favor, não me entenda mal, a gente nem se conhece, mas eu precisava falar algumas coisas que eu comecei a pensar nos últimos minutos. Também não é sempre que eu paro no meio do meu caminho, quando eu tenho um objetivo eu cumpro o objetivo, mas é que tem feito muito calor ultimamente e o sol racha meus neurônios e talvez isso seja um motivo pra eu desviar dos meu pensamentos concretos. Eu não estou falando de concreto, cimento, não, não é nada disso, na verdade é bem mais subjetivo que isso, é quando você encontra... eu vou desviar um pouco do sol, porque parece que as coisas estão ficando abstratas. Eu entendo que para uma pessoa que esteja passando pela estrada isso acabe virando um papo cansativo, mas não existe quem entenda mais de cansaço do que eu, na verdade, me desculpe, acho que meu pés acabam falando por mim e eu perco a voz. Já faz alguns meses que eu observo essa mesma composição do espaço, cimento, carro, sol e mato e as vezes eu penso que isso é invenção da minha cabeça, eu acordo de pé, me vejo rodando em mim sem saber porquê. Eu sei que eu iniciei isso tudo porque eu queria chegar em algum lugar, talvez um lugar há 4.000 km da onde eu parti, mas isso agora não é muito claro. Eu só busco um objeto para pousar minha admiração. É isso. Quando você sai em romaria por meses em busca de objeto para adorar. Quando você constrói pra você mesmo que aquilo é a solução de tudo, quando você destrói tanto sua vida quanto seus pés e aí já não tem quem diga que deus não existe, 
e aí construção e destruição já não se distinguem, quando você deixa tanto de viver que você acorda no dia seguinte sem memória e único jeito é continuar andando pra frente, buscar um objetivo, seguir uma verdade. de repente é esse mesmo o caminho, de repente é a verdade mesmo e ela existe porque se não for ela não tem pra onde ir. de repente a expectativa come meu próprio intestino, antes mesmo do milagre acontecer. Eu só preciso beijar os pés da santa. é só isso. Quando você terminar o que tem pra fazer, me responde, ok?



Depois

depois de muito tempo, mais muito tempo mesmo, depois ainda de ter olhado em volta várias vezes; de ter coçado as feridas da perna; de ter sentido sede e preguiça é que se dou conta de que não estava em casa. e que também não conhecia a paisagem que lhe abrigava.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

ar, boca e concreto



Eu abro a boca e profiro algumas palavras. Tentativa de construção. Mas já é ruína. Como são essas palavras que querem construir algo mas já nascem fracassadas? Elas começam fortes, duras e coerentes e do meio pro fim perdem a força, escorrem num sopro xôxo? O ar vai só até a metade? Começam sólidas e viram liquido? Ou são sólidas do começo ao fim mas sem ninguém para as escutar, ou melhor, sem ninguém para segurá-las? Quem segurará minhas palavras pedregulhosas, tijolentas, graves bolas de boliche maciças, miolos de pão consistentes, concisos? "Se eu gritar, quem poderá ouvir-me, na hierarquia dos anjos?" 
Elas são pedaços de tijolo sozinhos numa paisagem? A ruína imediata está no timbre? O projeto de construção que já é ruína está nas palavras que são só sons e não conteúdo? Palavras ocas, apenas em sua forma....

A justaposição de construção e ruína está:
1- na falta de alguem que escuta?
2- Na falta de alguem que fala?
3- Na falta de alguem que fala e escuta (só palavras puras)?
4- No timbre?
5- Na respiração?

Hein, hein????

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Versão do texto do Caio - Abismo entre o sofá e a tevê.

Por favor, não me entenda mal, a gente nem se conhece, mas eu precisava falar algumas coisas que eu comecei a pensar nos últimos minutos. Ou seja, se nem eu e nem você sabemos como viemos parar aqui quem será mesmo a testemunha do nosso fim? Quer dizer, aquilo que não tem nem mesmo início registrado pode terminar e ser classificado como dado, acabado? Olha, eu sei que o meu discurso pode parecer um pouco confuso ou até mesmo egoísta. Mas na verdade eu estou tentando clarear um pouco as coisas. Tudo bem? Como eu ia dizendo, me lembro de estar sentado, tomando uma boa caneca de café e, naturalmente, fumando um cigarro. O dia não estava muito quente e a manhã parecia de domingo. Maria Bethânia dizia coisas tão lindas que o meu corpo se desdobrava em música, derramando canção pelo espaço. Ela cantava e eu repetia. Era uma manhã comum se não fosse pelo barulho que atravessou a sala. De repente um estrondo, um buraco que se abriu no chão entre o sofá de três lugares e a televisão que não é de plasma. Sem aviso prévio, algo resolveu cair, aqui bem no meio da sala, e CABRUM! acabar com tudo. O objeto não identificado caiu, abriu buraco no chão, fazendo passagem entre um apartamento e outro. Depois disso, bem depois disso era só poeira e ficou difícil de identificar os próprios móveis que eu mesmo havia escolhido. Fiquei com medo, confesso. É sério, por favor, não ria de mim! Pode parecer bobo, mas quando se recebe algo que não se espera a reação de espanto é uma coisa comum. Pode acontecer com você também, entende? Demorou acho que uns vinte minutos para a poeira baixar e eu poder conseguir voltar a ver o apartamento. Durante este tempo, eu fiquei sentado no chão, segurando a caneca de café, o cigarro fumado e Beth já não cantava mais. Depois da poeira veio a claridão. Uma luz tão forte vinda do buraco abarcou o apartamento por inteiro. Neste exato momento eu pensei: meu Deus, acho que não estou vestido de forma adequada para receber visitas de outro mundo. Eu usava uma camisa regata rosa e velha com pequenas caveiras estampadas. Em outros tempos, usando essa mesma camisa, fui objeto de desejo e tensão através dos olhos de outros rapazes. Além dela, uma cueca samba canção vermelha com miniaturas de vacas também estampadas. Ou seja, eu era, na verdade, uma visão bem mais extra-terrestre do que qualquer outro que pudesse aparecer. De onde? Como assim de onde? Do buraco. Foi nesse meio tempo que fui atravessado por uma enorme vontade de urinar. A minha bexiga parecia ser maior que o buraco, mas para chegar até o banheiro eu precisava passar por ele - o buraco. Mais uma vez tive medo e, apertando com as mãos o ventre, desejei que a vontade passasse para que eu não precisasse cruzar o enorme abismos que agora morava no meio da minha sala. Você pode, se quiser, achar insano tudo isso que eu estou dizendo, mas eu realmente acredito que nessas minhas últimas lembranças esteja a saída para descobrirmos em que lugar estamos. Depois disso, não me lembro mais de nada. Olhando para mim agora, vejo que não estou molhado e nem com a roupa suja. O que me leva a constatar que a vontade de fazer xixi deve ter passado ou aqui neste lugar que estamos as pessoas não fazem xixi. Aliás, você já fez xixi desde que chegamos? Desculpe a pergunta imprópria, se não quiser responder não precisa. É que a gente nem se conhece tão bem, mas eu precisava falar sobre essas coisas que eu comecei a pensar nos últimos segundos. Posso lhe pedir um favor? Você seria capaz de medir os meus membros para ver se eles aumentaram. É que desde que chegamos aqui sinto uma dor enorme no corpo... Parece que estou carregando algo realmente maior do que eu costumava ser. Por favor, diga alguma coisa mesmo que seja mentira. Eu adoro mentiras bem contadas. Na verdade, tudo que é farsa me envolve como nenhuma outra coisa. Será que por aqui conseguimos encontrar um cinema, uma pequena lojinha para comprar cigarros e uns chicletes. Hein? Moça, pelor amor que você tem aos seus filhos, se é que você tem filhos, não me deixe falando aqui sozinho. Hein? Moça? Bom, quando você terminar o que tem pra fazer, me responde, ok?


terça-feira, 23 de outubro de 2012

Versão do texto da Ana



"Por favor, não me entenda mal, a gente nem se conhece, mas eu precisava falar algumas coisas que eu comecei a pensar nos últimos minutos. 

É que
ainda não tinha respondido por uma falta de sei lá, talvez coragem... não sei sempre que tento me expor pareço tão ridícula que acabo desistindo no meio do caminho... então vou dizer que o importante aqui não é que vai sobrar algo de bom pra me elogiarem depois, tá? E agora com essa tranquilidade e todo o choro e arrepio que a nossa cacazinha me deixou vou dividir com vocês / é que na verdade uma vez terminei um namoro sem perguntar nada a ninguém e as pessoas / e a pessoa / me acusou de ser egoísta / pensando melhor foram dois namoros os únicos e nem era tão namoro assim mas o que eu ia dizer é que eu não sou egoísta e que se agora esse ano tudo isso tem acontecido, me desculpem não entender nada e nem o que eu escrevo o que importa mesmo, o que eu realmente ia dizer é que ucrania sabe? tudo tão / assim tudo / tão assim tudo tão que esse ano foi tanta coisa... eu não sei mais o que eu sou, nem o que eu quero dizer... Entende? É que pra mim a arte é só uma forma de não ficar louca, sabe? e de repente toda essa ideia de ser incrível não me deixa sair de mim..... e me sufoca.... eu preciso saber o que eu tenho pra dizer antes de sair falando... desculpem vocês que estão lendo essa merda... eu tinha que ter pensado antes... até isso era melhor não ter escrito e só pensado mas agora já foi. É tanta coisa tão tudo assim esse ano que eu nem sei por onde começar... Não tem começo... Então, é que eu ainda to sufocada sabe? eu tenho um problema que não me deixa vomitar... não sei se uma doença mas um problema... talvez isso aqui.. enfim... o que eu queria dizer é que meu Deus ainda não sei, sabe? se vou conseguir... se vou conseguir... me desculpem os fiéis escudeiros que eu tanto amo... que tanto conheço e me conhecem que tanto nem sei.... o bê também com essa mania de te conhecer pelos restos que deixa no palco me deixa nua.... e antes fosse só de pele... Mas não era nada disso... eu ia falar com você, bezudo, na sexta... ia falar com vc cla, vc peidu... antes de mandar esse e-mail, mas a cacá me deixou desconcertada e parece que a gente sempre escolhe caminhos diferentes pra aprender as mesmas coisas.... o que importa mesmo é que apesar de estar ainda convivendo com meus pares, aprendendo a aprender com as pessoas e as coisas ainda não consigo me encontrar nisso tudo e é delirante.... Sério.... To me sentindo uma idiota falando isso mas me dá até vertigem pensar no vazio... é tanta gente... a multidão que sufoca sem nem te encostar e vc percebe que encontrou parceiros lindos na vida mas não sabe o que fazer com isso porque você continua querendo sumir / e ser ingrata com a vida e com eles... sem saber nem pra onde mas vc quer ir.... sair fugir... é que esse ano tanta coisa tanto tudo tão assim... eu queria dizer que não vou estar com vocês... que não vou aguentar... que estou prestes a explodir... que foi tanta coisa esse ano e vocês devem saber que absorver o espaço..... vocês precisam saber.... absorver o espaço.... dá um vazio tão cheio que explode explode explode em fagulhas de sangue... congelam no ar é uma coisa horrível vocês não iam querer assistir... É que agora eu já não sei mais se continuo...  Queria pedir desculpas pelo que falei sobre a arte ser só uma coisa de não ficar louca, sei que vocês não pensam isso e que tem raiva de quem acha que teatro é terapia... bom... ah, foda-se tb, não era isso.... a questão é que sinto que preciso de um tempo... não um, desculpa de novo, mas o meu... foi esse que no meio de tudo isso, de tanta gente, quando eu achei que estava encontrando, reconhecendo e ia ser um encontro tão lindo se vocês soubessem... iam chorar muito... me lembrei do filme Ghost agora... iam chorar que nem quando eu assisto ele, não vocês pq vocês não devem chorar, mas eu... então... o tempo, né? É isso... Saturno tá me deixando meio pirada mesmo... ele tá me apertando com seus anéis como se fossem cobras daquelas que matam pessoas esmagadas... é assim que eu me sinto... então eu não sei, entende? preciso que ele me afrouxe os anéis... o tempo nos mata mas é nele que vivemos e eu preciso encontrar o meu tudo aquilo tanto quando talvez até construir o meu que eu nem conheci e já virou ruína ou cobra ou anel sei lá... é que eu não sei se continuo... aquilo que nem era construção que já virou ruína sabe? eu só tenho 20 anos e tanto drama... Meu Deus... Talvez tivesse que assistir mais o Balanço Geral... Mas é que não sei se continuo.... entendem? ah quando terminarem o que tiverem pra fazer se não tiverem nada, nada mesmo pra fazer podem ler, eu devia ter escrito isso antes né? pra polpar vocês, mas tb, 2 minutinhos, né? Sei que não tem uma resposta assim pra me darem... eu é que decido, né? mas quando puderem me mandem uma coisa... qualquer... um ok, um faz o que bem tender... um foda-se... um carinho... aaah careeente! hahahaha que merda talvez eu só não queria ficar sozinha apesar de ficar brigando com quem chega perto... Quando você terminar o que tem pra fazer, me responde, ok?"

Versão do texto da caca




  
Por favor não me entendam mal, é que eu conheço tanto vocês que me permiti falar algumas coisas que eu comecei a pensar nos últimos minutos. Eu não estou de acordo em começar desconstruindo e não era essa de fato a minha intenção, nem faz o meu gênero, vocês me conhecem, a gente se conhece. Tanto que até me dou esse direito, ou licença poética, levando em consideração o título do nosso projeto, se é que posso me referir a ele desse modo. Também não sei se posso chamar isso de começo, nem o tempo pensado de minutos, nem as pessoas que conheço de vocês, tudo muda tanto que me dá enjoo. É que às vezes as palavras nos obrigam a usá-las mesmo sem que de fato queiramos dizê-las e isso se aproxima um pouco de onde eu quero chegar ainda que mais distante do que antes não pelo campo linguístico talvez algo mais magnético não se preocupe não vou falar de metafísica, não mesmo. Até porque eu não sei mais falar sobre quase nada que eu quase sabia antes. É claro que coisas novas aparecem, mas elas não me interessam e às vezes até me enjoam. Saberia discursar sobre o dia-a-dia da Winits, por exemplo, se em algum momento for do interesse de vocês... É que antes eu desconfiava estar ficando burra, mas era uma sensação passageira, agora é uma certeza, é diferente. Tenho lido, isso é verdade, não mais por uma questão de condição e é o que me salva, passar o olho pelo papel sem perceber o que fica, tem sido sempre assim. Faço uma viagem de duas horas e meia por dia, não tenho um Iphone e ouvir música demais às vezes me causa um embrulho no estômago terrível! Ler é o suficiente, imagino, pelo menos tem sido. É isso, tudo está sendo, e eu continuo enjoada sem saber o que sou, nem o que procuro ser, mas agora com o agravante de ter que me definir pra entrevista da capricho. Mas é claro que existem os pontos positivos dessa história toda, sempre existem, minhas unhas cresceram, tenho uma dermatologista e uma assessora, uma assinatura na minha carteira, o meu aluguel no final do mês, pessoas que fingem uma admiração incondicional e por algum motivo isso tudo é mais importante do que todo o resto que inclui vocês. Eu não tenho mais tempo pra nenhum de vocês. Nenhum de vocês, meus amigos, sem dúvida os melhores cabe na minha vida. E pior! Tenho a sensação de que nunca vou terminar de fazer o que eu tenho pra fazer. Assim sem rodeios. Cheio de pontos finais. Sem esse "livre" fluxo de pensamento- é Lissovsky isso?-Assim: objetivo. Sintético. Funcional. Sem poesia alguma, exatamente como tem sido pra mim. E é esse o momento em que choro e penso que tenho que aprender a fazer isso conscientemente, lá é muito importante como pra nós é falar do vazio ou determinar funções e dividir dramaturgias... E mais uma vez não sei se posso usar esse pronome, cada vez existe menos esse ‘nós’ antes tão trivial, nós da Miúda, nós do teatro de véspera, nós do ucrânia 3, nós do usina teatro, nós de cavalos e baias e bares e salas de ensaio, até caco pra mim já foi nós. Por dentro ainda sou cheia de nós, eu garanto! Só não sei mais a que nós pertenço e tenho vontade de vomitar e acabar com esse nó.. na garganta. Por isso precisei cuspir essas palavras, mesmo tendo que correr com elas agora e ir pro lado dos que escolhi pra jogar no meu time, mesmo sabendo que eram todos pernas-de-pau se comparados aos artilheiros que eu tinha do meu lado... Perder é sempre uma escolha difícil. Peço apenas que me mantenham assim, na reserva, sem me deixar virar torcida por completo, o que me tiraria a possibilidade de estar em campo, mas me faria extremamente feliz e orgulhosa! É que já tenho que ser feliz e orgulhosa o dia todo pra tantas lentes e planos que me dá ânsia só de pensar. Não deixem de fazer o que tiverem pra fazer, mas me respondam durante algum cafezinho depois do ensaio, ok?


equação do caos

 \left\{
       \begin{matrix}
        \dot x & = & 10(y-x) \\
        \dot y & = & 28 x -y-xz \\
        \dot z & = & -(8/3)z+xy  
       \end{matrix}
       \right.


pequena wanda-x começa suas aulas de piano aos cinco por vontade própria. aos 8 faz seu primeiro concerto. aos 14 entra para uma orquestra. aos 30 é considerada a maior pianista de sua década. aos 38 é atropelada por um carro e morre sem nunca ter se apaixonado. pequena wanda-y aos 2 anos prende sua mão na porta e perde seu dedo indicador direito. aos 17 foge com um homem agressivo.  aos 22 se interna numa clínica de qualquer coisa.  aos 34 tenta pintar quadros para canalisar a depressão. aos 38 é atropelada por um carro e morre. pequena wanda-z começa suas aulas de piano aos cinco por vontade própria. aos 6 para por vergonha. aos 15 engravida para não ser abandonada pelo namorado. aos 17 odeia o filho. aos 26 volta a tocar piano. aos 38 faz seu primeiro concerto, num evento de caridade no asilo em que a mãe trabalha.  os velhos dormem. o filho não vai assistir, pois sente vergonha. pega o carro, clair de lune, os dedos dançando no volante, fecha os olhos, faz a curva na terceira rua à esquerda, sobe a calçada, os dedos dançando no ar, arremessa o carro contra duas mulheres, borboleteia para fora da janela. por um problema neurológico só consegue mover os dedos, passa o resto da vida entubada, morre aos 67 anos, tocando alguma sonata no ar que ninguém reconheceria.

Planejando ensaio



Estamos sempre apoiados num outro corpo, mesmo que seja o chão. O mais distante que conseguimos contemplar permanece fixo no espaço. Contemplar um objeto é apoiar nele fantasias. Estudar um objeto é o mesmo que estudar o espaço.

Quando um corpo entra em contato com outro, há um transferência de calor e energia entre eles. Essa relação entre os corpos é resultado de um apoio físico e principalmente afetivo.

sábado, 20 de outubro de 2012

Breve Questionário

Inquietações a partir de um espaço sem memória.

primeiras e pequenas perguntas:

- onde não há memória tudo é novo?
- onde não há memória aquilo que eu invento é verdade?
- onde não há memória há história?
- onde não há memória que tipo de comunicação se trava?
- onde não há memória existe espaço para o nome?

digo, como se chamam as coisas se não há informação sobre o passado delas?
copo se chama cadeira, que se chama mesa que, por sua vez, se chama armário?
eu batizo o objeto e, por isso e com isso, lhe dou utilidade? Lhe devolvo a
profanação? Ou seja, ao uso e desuso dos homens - de acordo com Aganbem?

- onde não há memória nada é semiotizável?

segundas e terceiras perguntas:

- como eu vim parar aqui?
- quem sou eu?
- que tipo de pessoa eu sou?
- estou aberta ao diálogo?

quando você terminar o que tem para fazer, me responde, ok?

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Produção de subjetividade e depósito de crença em objetos aleatórios


Objetos em que depositamos algum tipo de crença, desejo, vontade e/ou produção de subjetividade. Objetos que, por si só, já anunciam uma ideia ou previsão de finitude. Elos criados para o funcionamento afetivo e social, modelos ultrapassados de contrato, acordos ou moldes utópicos. Ruínas que se compram, evidências delas. Mas mesmo assim o fazemos. Ainda não encontramos um novo modo de agir ou agenciar compromissos. Assinamos um contrato de casamento e, ao mesmo tempo em que selamos a nossa união afetiva, a existência do contrato é o que traz a materialidade para o fim da mesma. O contrato é a evidência do fim, é o suporte para uma reclamação ou questionamento posterior. O contrato é então maior do que amor. Seja lá o que ainda entendemos e praticamos como amor. O problema está no PAPEL. O problema está na representação que impregnamos ao objeto aleatório. Os noivos felizes, ali tudo parecia ainda ser construção, mas já era ruína. Ruína anunciada pela lei. É um direito do cidadão poder recorrer.

assim como o contrato,
segue uma pequena lista de objetos aleatórios:

- anel de noivado
- anel de casamento
- aliança de qualquer tipo
- contratos em geral
- conta conjunta em banco
- placas que batizam lugares
- placas que batizam pessoas
- placas que ditam regras
- placas e regras de um modo geral
- certidões
- procurações
- constituições
- planos de governo
- documentos de garantia
- constituições
- códigos de conduta
- tratados horizontais ou verticais

uma infinidade de find pré-estabelecidos

horizonte...


  • espaço sem memória e espaço incorpóreo
  • extinções, esquecimentos, distrações, detalhes
  • construir expectativas em ruína
  • expectativas depositadas em objetos aleatórios
  • medos privados e fantasias pessoais em lugares públicos
  • buscar impossibilidades e impedimentos para estabelecer um encontro. dissimular

Auto-ficção e memórias inventadas/compartilhadas

A memória desempenha um papel extremamente importante no processo artístico. Cada vez que se monta uma peça, está se dando corpo a uma memória. Os seres humanos são estimulados a contar histórias a partir da experiência de lembrar de um incidente ou de uma pessoa. O ato de expressar o que é lembrado constitui, de fato, segundo o filósofo Richard Rorty, um ato de redescrição. Ao redescrever alguma coisa, novas verdades são criadas. Rorty sugere que não existe realidade objetiva, não existe ideal platônico. Nós criamos verdades descrevendo, ou redescrevendo, nossas convicções e observações. Nossa tarefa e a tarefa de cada artista e cientista, é redescrever as hipóteses que herdamos e inventar ficções para criar novos paradigmas para o futuro. 

"A verdade não pode estar lá fora - não pode existir independente da mente humana... O mundo está lá fora, mas as descrições do mundo podem ser verdadeiras ou falsas. O mundo em si - sem a ajuda das atividades descritivas dos seres humanos - não pode." Raymond Rorty

(Fragmento do livro "A preparação do diretor", Anne Bogart)

A palavra nesse projeto só existe enquanto ato de compartilhamento/ violência, com caráter auto-crítico do pensar no que diz. Dissimular pequenas verdades e convicções, para redescrever sucessivamente um espaço incorpóreo. 

“O espaço deve poder ser o receptáculo de qualquer coisa, de tal modo que estejam as coisas dentro dele ou distantes dele, ele permaneça idêntico e acolha prontamente todas as coisas que se sucedem nele e seja ao mesmo tempo tão grande quanto o são as coisas que nele acham lugar. O espaço, portanto, é infinito e incorpóreo: a existência do vazio é um fato de experiência” Telésio

Atores espalhados pelo palco, girando no próprio eixo.


   Janice vivia enamorada de seu umbigo. Não fazia muito tempo que havia dispensado dois gêmeos fortes, másculos e apaixonados para poder ficar sozinha consigo mesma e apreciar – sem uma alma para lhe roubar a paciência e o humor – aquele buraquinho perfeitamente bem delineado de sua barriga.
   No inicio, era em frente ao espelho, com uma mão a arriar a calca e a outra a levantar a blusa próxima aos seios, que a moçoila se desmanchava em elogios. Que umbiguinho divino!, gabava-se para si mesma. Que curvas primorosas! Que coisinha mais magnífica! E assim sobrevinham que issos e que aquilos até chegar a noite.
   Numa sexta-feira, ao olhar para baixo casualmente, percebeu que poderia enxergar muito mais detalhes de sua obra-prima natural se a admirasse diretamente, sem mediação. Foi o fim do espelho e o inicio do torcicolo. Janice encurvava-se cada vez mais para aproximar seu rosto do umbigo. Aos poucos, sua coluna foi se transformando num arco. Janice já não era mais capaz de ficar novamente ereta: levava as semanas, os meses, os anos enroscada em si mesma, apaixonada que estava por seu buraquinho.
   Numa outra sexta-feira, ao tentar ajeitar suas costas arqueadas, tocou sem querer os lábios em sua barriga. Muitissimo feliz com a nova possibilidade, repetiu infinitamente o mesmo gesto. Impulsionava o tronco para frente e beijava seu umbigo. Beijava beijava e ria satisfeita. Dos beijos, passou às lambidas. Gastava horas lavando seu umbigo de cuspe.
   Numa sexta-feira, de súbito, prendeu lua língua num buraco aberto pela acidez de sua saliva. Mesmo assustada, Janice amou a novidade. Com o transcorrer dos dias, das semanas, dos anos, o buraco tornou-se gradativamente maior: penetrava nele não só a língua, mas também a boca e o nariz.
    Numa derradeira sexta-feira, Janice trancou as orelhas no seu umbigo. Ao invés de tentar tirá-las, introduziu-as ainda mais, arrombando de vez seu buraquinho. De repente, zupt!, foi-se a cabeça de Janice para dentro de sua barriga. Extasiada, forçou a passagem. Os ombros entraram com uma certa dificuldade. Depois deles, o buraco se distendeu, facilitando o ingresso do resto de seu corpo. Os braços, o peito, as pernas, os pés submergiram em Janice como água escorrendo pelo ralo. O ultimo a sumir foi o piercing.
   Hoje, Janice vive feliz, inteira dentro de seu umbigo. (Stigger, Veronica. O trágico e outras comédias. Editora 7 letras, 2007)

coincidência

gente! que loucura, essa vida. estava há dois segundos atrás pensando se eu te encontraria e de repente, bum. você aparece. um segundo a mais, eu, provavelmente, nem te encontraria. não é hilário?! sabe essas ocasiões inesperadas que parece que foram projetadas, arquitetadas, terceirizadas assim como esse chão de cimento rachado pela calçada inteira que faz transbordas pequenos pedaços de verde, tentando inutilmente sobreviver. tentando inutilmente sobreviver. é. isso. resume um pouco dos meus últimos meses, mas isso não faz menor diferença, porque no final das contas vale o que é engraçado. o que faz cócegas e passa. eu acho você uma graça. graça, mesmo, gracinha. que faz rir. você, gracinha, acabou de surgir há 60 segundos na minha frente e meu dia ficou muito mais interessante. sabe? quando você acha alguma coisa pra colorir a porra do dia monótono de uma segunda-feira nublada, todo mundo pegando a porra da bolsa e indo fazer a porra de um trabalho mecânico de merda. é isso. esses momentinhos fofinhos de alegria instantâneos assim como a porra desse miojo nessa buceta dessa propaganda que fica piscando na minha frente toda vez que eu cruzo a esquina. mas é bem assim. tranquilo. as coisas falam por si só. eu nem te escuto no meio do barulho dos carros. talvez isso não faça a menor diferença. (Padu me mandou por facebook)



pequenos encontros - reencontros - coincidências - repetições - redescrições - acaso - reconhecimento - interseções - expectativas aleatórias - objetos de desejo - pequenas verdades - convicções - dissimulações

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

expectativas privadas em lugares públicos

público
adj público, pública ['publiku, 'publikɐ].
que depende do Estado
que pode ser utilizado por todos
conhecido por todos

Que se refere ao povo em geral: interesse público.
Relativo ao governo de um país: negócios públicos.
Manifesto, conhecido por todos: rumor público.
A que todas as pessoas podem comparecer: reunião pública.

subst m público
a população
conjunto de espectadores

Sinônimos de público:
apregoado, auditório, comum, manifesto, notório, povo e sabido

Anti-história

" A realidade é um constructo de pensamento que deseja continuidade. Na verdade, a expectativa de continuidade é uma maravilhosa invenção. A realidade depende daquilo que escolhemos observar e do modo como escolhemos fazê-lo." (Anne Bogart, A preparação do diretor, p18)

Expectativas construídas em ruínas. depositadas em objetos de desejo aleatórios. Já são ruínas porquê antes mesmo de esboçar uma continuidade, o sujeito encontra um impedimento. O jogo é desejar fantasias, ficções e dissimular só o início. O que importa são as tentativas de se apropriar do inapreensível, de esboçar uma história impossivel. Buscar impossibilidades e impedimentos para estabelecer um encontro

O que só poderia ser dito para um desconhecido

medos privados em em lugares públicos

um objeto qualquer pode carregar toda sua libido, do umbigo a uma cadeira.

Epifania

Quando jovem, o filósofo francês Jean-Paul Sartre trabalhou como marinheiro em navio mercante. Em uma noite fria e tempestuosa, o navio atracou no porto de Hamburgo, na Alemanha. Sartre desceu do navio e caminhou na chuva pelas ruas varridas pelo vento até o abrigo de um velho bar. Sentou-se e pediu uma bebida. Depois de algum tempo, uma linda mulher foi até sua mesa, apresentou-se e se sentou ao lado dele. Começaram a conversar. Por fim, depois de um bom tempo, ela pediu licença e foi ao banheiro. Enquanto a esperava, antecipando a sua volta, Sartre imaginou a noite que eles passariam juntos em um quarto de hotel, a sedução, o sexo e, enfim, a despedida na manhã seguinte. Imaginou as cartas que trocariam na expectativa de um reencontro. Visualizou a história que tinha pela frente. De repente, Sartre teve uma epifania. Deu-se conta de que cada momento da vida, inclusive aquele, oferecia uma escolha. Ele poderia optar pela ficção fabricada de uma história ou abraçar os altos e baixos descontínuos da existência humana e viver sem a segurança de uma história. De imediato, Sartre tomou uma decisão. Levantou-se, saiu do bar para a tempestade e nunca mais viu a mulher. (Anne Bogart, A preparação do diretor, p18)