fragmentos do trabalho de João Castilho

segunda-feira, 8 de abril de 2013

prologo e cena 1


PRÓLOGO

Olhando friamente as coisas, conseguimos, com facilidade ser reduzidos a números. "O que a maioria das pessoas vê como caos, na verdade segue sutis leis de comportamento". Num planeta com 6 bilhões 973 milhões 738 mil 433 pessoas, cerca de 22 milhões têm 60% de seus alimentos ameaçados por uma nuvem de gafanhotos na ilha de Madagascar. Cerca de 100 mil pessoas que se perderam numa ilha mandaram uma mensagem de socorro dentro de uma garrafa.  700 milhões já se imaginaram nessa situação. Eu sinto falta de um cachorro que eu tive quando era criança. O nome dele era Tempo. E o Tempo corria atrás de mim até um dia que sem querer, acidente mesmo, meu pai esmagou o cachorro com um Chevette 1974. Textos padrões tem espaçamento um e meio em computadores que se reduzem a códigos binários. 815 mil pessoas cometeram suicídio no ano 2000, o que perfaz 14,5 mortes por 100 mil habitantes ou uma morte a cada 40 segundos. Os que se mantém vivos falam cerca de 2.250 palavras por dia. Todas elas engolidas pelo ar. Deglutimos o ar em inspirações cerca de 85 mil vezes por dia. Cerca de 80 por cento das crianças prometem a si próprias que jamais serão iguais aos seus pais. Cada trago de cigarro mata cerca de 100 alvéolos. Eu li num livro que "a probabilidade de um beija-flor morrer esmagado é igual ou menor que a probabilidade de soltar duas pessoas, uma na Índia e outra no Brasil, e esperar que elas se esbarrem em algum momento da vida". Estou vivo há 22 anos , 22 dias , 11 horas e 55 minutos. ou 695 milhões 733 mil e 900 segundos. Não passo de zero e um.

CENA 1

Victor está no palco. Sozinho é sempre ansioso. Seus pensamentos precisam de outras personagens para se construir. Ele inventa para dar sentido às coisas como se sua existência dependesse do seu encadeamento de ideias. Acompanha as pessoas. Descreve e dissimula. O prólogo é dado como se estivesse pensando um romance.  As meninas entram ao mesmo tempo. Cada uma enfiada no próprio umbigo desenhando uma rotina de gesto. Não o escutam.

Victor: Não que isso tenha alguma importância, mas a relação que a pequenininha constroi com o próprio umbigo é quase prosaica. Ela não tem amarras, não tenta se segurar em nada enquanto cai... Para cair basta estar de pé.
Bem branca, com sardinhas mas não chega a ser albina. É pequena como sua boca, cabelo, olhos, nariz. A outra não, é toda grande, nádegas, escápulas, braços, costas, seios, mas a cabeça é pequena. Não tem nada que seja só dela. As vezes até se confunde nas outras pessoas, olha de relance e pensa ter se visto. "Desculpa, achei que fosse eu". Isso é ótimo. "Achei que fosse". Sinteco. Fica. Bancos, veja multiuso maça verde, mais poder de limpeza. Duas mulheres. Tem alguma coisa grande na pequena? A mente... a mente deve ser grande, vira a página.
São 40 delas, soltas pela cidade. Duas delas se esbarram no metrô. Quem esbarra não pede desculpa e a esbarrada, sem perdão, joga a outra na frente do trem que vem chegando. Essa situação provocou uma ação em Paris. Fechem as estações com vidros, de modo que somente as portas se abram, quando o trem chegar. São 40 delas, soltas pela cidade. Duas delas se amam durante meia hora. Duas delas se encaixotam no  centro do bairro. Duas delas envolvidas na produção de pães de queijo. Duas delas na venda de mate supervalorizado. Duas, delas, nota-se o pronome ''minha''. Quantas sobram?

Victor: Inês, ali! preciso lembrar, sem falta, são duas da tarde. Eu preciso falar uma coisa que eu tava pensando agora há pouco. Quando ela  terminar o que tem pra fazer, ela responde?

Inês tenta subir no andaime.

Victor: Ah... não sobe hoje, não!!!

Victor observa Inês minuciosamente. Cada gesto dela é um roubo de ar dele. Inês cai da estrutura.

Victor: Uau. Totalmente Circunstancial!

Inês: Oi?

Victor: haha ai ai. Desculpa. Eu costumo nomear meus encontros com mulheres.

Inês: Isso não é um encontro

Victor: Claro que é. Estávamos os dois passando no mesmo lugar na mesma hora. Probabilidade é matemática.

Inês: Achei que encontro fosse química.

Victor: Erro comum.

Inês: Por que Circunstancial?

Victor: Bom, não é programado, nem almejado, sequer manipulado, evidente, preliminar, autoritário...

Inês: Eu achei um pouco autoritário.

Victor:

Inês: Tudo bem. Eu gosto. Quer tomar um café, ó grande mestre dos encontros?

Victor: O que? e mudar o rumo das coisas? Não, a gente tem que se despedir aqui.

Inês: E se eu não quiser?

Victor: Não depende de você. Qual o seu nome?

Inês: Circustância

Victor: Prazer

Victor faz como quem vai beijá-la. Ela enfia os dedos dentro da sua boca e sai. Ana passa limpando as cadeiras.

Victor. A mulher grande limpa meu assento. Que prazer. Sinto cheirinho de maçã verde. Talvez seja interessante que eu mude de assento para que ela continue o trabalho, mas só saio daqui se ela me tirar. Sua cara revela que não está confortável no lugar que ocupa.

Ana tosse para fazê-lo sair

Victor: Ela tosse.

Victor: voltando a atenção para Rory: A pequenininha quase se anula, sua presença não faz questão de estar presente. Ela muda de posição e esse é o único indício de sua presença. Se ela não mudasse, talvez achasse que fosse o sinteco. O recipiente de veja está aberto.

Ana grita

Victor. Ela grita, com certeza não gosta desse trabalho.

Ana. Eu adoro esse trabalho.

Victor. A mulher se manifesta com ímpeto. Estranho. A pequena olha, depois de tanto tempo recolhida. Será que vai dividir alguma coisa com a gente? O dedo esquerdo bate no andamento 1 2 1 2 1 2 1 2. Indício de ansiedade ou chamar o foco para si? Conseguiu. A mulher grande insiste em limpar os bancos com tantos outros lugares sujos. Veja maça verde limpa qualquer tipo de material. Interessante.

Ana derrama um pouco de veja na roupa dele.

Victor: Almejado

Analu: Ihhh, ó, dá licença que eu tenho que limpar toda essa parte aí e se eu parar pra ficar de conversinha não consigo terminar e amanhã vai ser duas vezes pior e nada tão ruim como dormir sabendo que amanhã vai ser pior do que hoje.

Victor: Convincente

Analu: Sai

Ana vai para o fundo de cena até sumir sem que lhe percebam. Rory pula em cima do Homem.
Analu: Te pegou, hem?

Rory: Ah, Desculpa! É que você me deu uma vontade de me jogar assim, sabe?

Homem: É... Ok.

Rory: levantando- se:  Pronto.

Homem embasbacado: Nossa! Eu realmente... Nem sei como reagir. Você me surpreendeu mesmo. Uau... (ri) Parabéns.

Rory: Não me leva a mal. É que se eu não faço, não consigo dormir depois. Fico me remoendo, pensando como seria, virando de um lado pro outro, acabo com as minhas unhas, vira uma questão existencial, sabe? É Sério! Nunca teve isso quando deixou de fazer alguma coisa?

Homem: Já, aham. Eu entendo.

Rory: Ufa! Que bom, tchau

Homem: Não, calma! Isso foi muito inesperado. Eu não costumo ficar assim, você realmente..

Rory: Olha, eu realmente, só queria pular em você. Agora dá licença.

Homem: Ei! Seu nome, pelo menos.

Rory: Como se isso tivesse alguma importância. Rory. Significa cabelos vermelhos. E eu nem sou ruiva.

Pausa. Saem cada um para um lado. Ana fica.

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