Fatos e situações que
por coincidência ou não, se repetem num mesmo espaço: a barca. A
barca é da antiga e gira para seguir seu destino, deixando o rastro no caminho,
que risca o mar preto com a espuma branca e o céu branco com a fumaça preta.
Tudo nela conduz ao passado; das cadeiras azuis ''reformadas'' com os braços de
madeira, que, descascando, denunciam a ruína, até as janelas guilhotinas, tão
generosas com a brisa que invade.
A
barca é por essência transição, caminha do passado para o futuro e apesar de
sua estrutura concreta, aceita a instabilidade da água: se desloca à deriva no
meio do caminho, entre a origem e o destino. Uma cidade que já virou ruína tem
uma construção viva, nadando na baia de lá para cá.
A peça acontece na medida em que quatro
personagens (Inês, Rory, Ana e ele) se reconhecem no meio da multidão
característica de lugares de transição, e passam a buscar sentido próprio nos
encontros circunstanciais, na percepção do outro. Inês, Rory, Ana e ele são
seduzidos pelas pequenas coisas desse pequeno trajeto e assumem um olhar
particular. Um homem e três mulheres. Três mulheres e um homem.
Quatro pessoas. Quatro possibilidades de trajetória. O tempo é o percurso, a
espera. O espaço é a barca. A ação é o encontro.
O ínicio da dramaturgia
é marcado pela obsessão do personagem masculino em construir uma história com
três mulheres que percebe num dia de viajem de barca. A partir desse pontapé,
dessa percepção inicial, os encontros e reencontros das mesmas pessoas constroem
a ficção.
No meio da dispersão do cotidiano
metropolitano o encontro, acaso ou coincidência, necessita de um sentido
individual e próprio. O individuo entra num processo de espiral na tentativa de
entrar no próprio umbigo de certezas. O
processo de espiral acontece nas personagens obsessivas por sentido,
que depositam expectativas e desejos em objetos aleatórios, e na dramaturgia
que como uma bola de neve, acumula até explodir. O jogo é somar os fatos,
transbordar os sentidos e nunca (ou quase nunca) sair do superficial.
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