fragmentos do trabalho de João Castilho

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Não vá ainda. Inês?


Dezembro. Manhã de um dia comum. Pego a barca no contra fluxo. Barca nova, de janelas pequenas, donde mal se vê o mar. Há quatros janelas maiores, duas em cada extremidade.
Dirijo-me para a janela que está de frente para Niterói, vejo o mar e me lembro de uns versos que dizem: 'quando morrer, voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar'. Numa fração de segundos sou interrompido por uma mulher bem baixa, negra, com sotaque paulista forte, perceptível nas duas palavras ríspidas trocadas comigo, “dá licença!”. Sem entender bem o que acontecia, me afastei da janela, ela puxa um dos coletes salva-vidas, que se encontrava de baixo de uma das poltronas, para usar como apoio para o salto que ela pretendia dar pela janela. Meio patético, lembrando agora. Tudo se deu muito rápido. Quando percebi, ela estava apoiada na janela, agarrei-a pelo braço e disse que não iria deixa-la fazer aquilo. Falei mais umas duas ou três frases cafonas; as pessoas viram aquela mulher pendurada na janela, começaram a gritar, seguranças e curiosos juntando-se em volta de nós, e ela enlouquecida com o coito interrompido. Ela, a do suicídio brochado, gritava que estava no Rio de Janeiro há oito meses e não conseguia trabalho, que estava dormindo na rua, que tinha uma filha, e eu fui me afastando, saindo do foco daquela cena, observando de longe, com meu braço arranhado por ela. Passei dias pensando naquela mulher, e no que teria acontecido depois. Teria ela pego outra barca e realizado sem interrupções seu ato? Teria ela escolhido outro modo de se mostrar senhora de si mesma e dado um tiro na cabeça? Tomado chumbinho comprado na Carioca?
Eu se fosse ela, teria escolhido a pedra do Arpoador num nascer de sol, sem ninguém para impedir. Ou, buscando uma morte pública e tão certeira quanto um tiro na boca, correria de encontro a um metrô chegando na estação na hora do rush. 

(Caso contado por Mauricio Lima)

Um comentário: