Dezembro. Manhã de um dia comum. Pego a barca no contra fluxo. Barca nova, de janelas pequenas, donde mal se vê o mar. Há quatros
janelas maiores, duas em cada extremidade.
Dirijo-me para a janela que está de frente para Niterói,
vejo o mar e me lembro de uns versos que dizem: 'quando morrer, voltarei para
buscar os instantes que não vivi junto do mar'. Numa fração de segundos sou
interrompido por uma mulher bem baixa, negra, com sotaque paulista forte,
perceptível nas duas palavras ríspidas trocadas comigo, “dá licença!”. Sem
entender bem o que acontecia, me afastei da janela, ela puxa um dos coletes
salva-vidas, que se encontrava de baixo de uma das poltronas, para usar como
apoio para o salto que ela pretendia dar pela janela. Meio patético, lembrando
agora. Tudo se deu muito rápido. Quando percebi, ela estava apoiada na janela,
agarrei-a pelo braço e disse que não iria deixa-la fazer aquilo. Falei mais
umas duas ou três frases cafonas; as pessoas viram aquela mulher pendurada na
janela, começaram a gritar, seguranças e curiosos juntando-se em volta de nós,
e ela enlouquecida com o coito interrompido. Ela, a do suicídio brochado,
gritava que estava no Rio de Janeiro há oito meses e não conseguia trabalho,
que estava dormindo na rua, que tinha uma filha, e eu fui me afastando, saindo
do foco daquela cena, observando de longe, com meu braço arranhado por ela.
Passei dias pensando naquela mulher, e no que teria acontecido depois. Teria
ela pego outra barca e realizado sem interrupções seu ato? Teria ela escolhido
outro modo de se mostrar senhora de si mesma e dado um tiro na cabeça? Tomado
chumbinho comprado na Carioca?
Eu se fosse ela, teria escolhido a pedra do Arpoador num
nascer de sol, sem ninguém para impedir. Ou, buscando uma morte pública e tão
certeira quanto um tiro na boca, correria de encontro a um metrô chegando na
estação na hora do rush.
(Caso contado por Mauricio Lima)
nossinhora...
ResponderExcluir