fragmentos do trabalho de João Castilho

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Primeiro Amor


Ele chegou de mansinho e se apaixonou por mim sem que eu soubesse ou percebesse. Desejou-me em silêncio por um tempo, até que um dia resolveu pegar uma serra insana para chegar mais perto. Na primeira noite dormiu bem pertinho, a mais ou menos um metro de distância e quase me roubou um beijo de ‘’boa noite’’. Na segunda noite dormiu ao meu lado. Dormiu mesmo, rápido e ligeiro, a ansiedade o fez capotar. Mas me fez perder o sono. Eu não conhecia a insônia. Uma tremedeira nunca antes vivida me tomou corpo e alma madrugada adentro. Era uma paixão sintomática mostrando sua força física. Eu me concentrava para tremer menos com receio de acordá-lo, mas ele se mexia e brincava de se aproximar do meu corpo: era quando eu tremia mais.  Acordados, depois dessa noite, ficamos insones durante quase um ano. Nesse tempo eu conheci, reconheci, estranhei, confundi, imaginei, planejei, presenciei, contemplei, gozei, abracei, cantei, só não dormi. Sonhamos muitos. Não sei bem se foi um prego, uma devolução, uma contramão, uma mesa gigante que nos separava mesmo aproximando nossos braços sem fim... É claro que não. Hoje nós voltamos a dormir em paz, e a tremedeira também foi convidada a pegar no sono, na companhia de dois corpos que trovoaram e dois peitos que relampejaram um amor inevitável, como toda estação que se preze. Ainda que o tempo nos cubra com a terra, o desejo de não perder o sono permanecerá. Preocupamo-nos muito com o sono um do outro. Queremos nos acordar qualquer dia. Hoje, antes de dormir, nós voltamos para assistir ao bloco. Nós dois.  Hoje o bloco saiu mais triste sem ele, agora tá faltando um. É que o outro precisava nascer.  

4 comentários:

  1. é que quando dói qualquer coisa em mim, você dói junto

    ResponderExcluir
  2. "em muitas tradições, existe um mito iniciático de passagem pelo ventre da baleia como uma espécie de renovação espiritual ou metafísica"

    é que quando já nos vemos afundados, a transformação é inevitável

    ResponderExcluir
  3. Ai, desculpa! Achei que fosse...
    Esquece.. Eu tava falando de morte, de matemática, de metafísica... a diferença de nós pra gota no oceano é que ela não se sabe gota... perder o controle é o fim do começo...E a gente não se sabe mar... Início do Meio. Consciência de estar à deriva.

    ResponderExcluir
  4. das dores que guardo de ti,
    a mais bonita, com toda certeza,
    foi a imagem recorta pela grade da janela.
    a imagem formada no seu movimento de partir.
    partir sem mim e me levando consigo.

    ResponderExcluir