fragmentos do trabalho de João Castilho

terça-feira, 28 de maio de 2013

Antes de... e queria te dizer ....

É.. desde criança eu pensava ter visão de raio-x e isso agora parece não servir pra nada. Os colos, as manhas, as brigas, as tardes de Sol na praia, o sorvete de creme com brownie, a segurança, as mãos dadas, os olhares. Tudo, todos. Distantes agressivos e engraçados. Não lembro de grande parte dos amores que tive, das dúvidas que tive, das crises que tive, das tartarugas que tive, das espinhas que tive, dos filhos que tive provavelmente agora também já não importam. Queria mesmo ter ficado com aquele cara apesar de todo mundo dizer eu merecia melhor. Eu não sei não. Ele parecia bom. Bem bom. Queria mesmo era ter arriscado menos, ou mais ou... Queria ter escolhido mais. Queria não ter escolhido. Poder escolher tudo... Queria transbordar alguma vez, queria explodir, ser totalmente transparente, translúcida e azul tudo ao mesmo tempo girando no ar.. Enquanto isso as pessoas em volta de mim iam esquecendo pouco a pouco tudo o que já tinham vivido, cada pequena informação, cada segundo de toxina mental, cheiro, textura, palavra e voltariam a ser seres silenciosos, espontâneos e burros, ignorantes mesmo. E nesse momento eu explodiria com um grito que seria assim como um canto, um gemido ou algo que ecoasse macio e lento... Poderia ser um fado também. É. Um fado. Depois disso eu não existiria mais, nem ninguém, nem as personalidades, as notícias, os gostos, as lojas, as conversas, os "bom dia!"s, as ambições, as culpas, os pesos, iriam todos comigo. Inclusive não sobraria nem quem pudesse contar essa história depois e fazê-la virar lixo de novo. Não, eu não cairia nesse risco. Eu vou afogar tudo isso comigo, em mim e não vou ser notícia pra ninguém. Não ia sobrar nem a espuma branca no mar negro nem o mar branco no céu... Como é mesmo? Tô apagando os afetos pra lembrar das notícias. Era isso, na verdade. Se alguém perguntar por mim, você diz que eu não to? Que eu nunca existi.

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