fragmentos do trabalho de João Castilho

sexta-feira, 31 de maio de 2013

quinta-feira, 30 de maio de 2013

uma imagem

ana quase parada. letárgica. todos passam apressados por ela. como se o mundo estivesse acelerado e ela estagnada. os três entram e saem sem parar, traçando retas para todos os lados. Ana cai no chão. no mesmo segundo todos ficam em câmera lenta. ana se levanta. fica na mesma posição. quando termina de se ajetiar, tudo volta ao ritmo normal. ela letárgica, eles motorizados.

ensaio 30 de maio

Duvido do prólogo. Preciso rever a composição da elisa. Sera que precisa ser tao deslocada?? Sera que nao coloco dados das barcas? não subestimar a plateia. nao subestimar a plateia. nao subestimar a plateia.

Mudar rubrica! E acrescentar dados das barcas: coletes, tripulacao, etc.  não subestimar a plateia. nao subestimar a plateia. nao subestimar a plateia.

Preciso juntar ines e as tomadas com wanda x. ines x. a que se suicida.... as outras te outros destinos

Extintor de incendio

E se o prologo for a analu dormindo?
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Rory desce do andaime.

Rory: uma senhora vomitou o banheiro inteiro pq ficou enjoada com esse cheiro de maçã verde.

Victor: estou reclamando da conduta dessa funcionaria ha tempos. ligo para o SAC e falo dessa funcionaria. a gente paga caro...... vc é digna de pena

Ana: vcs deviam pegar esses 4,50 e enfiar no cu

Rory: nossa. Aí que a gente vê quem recebeu educação em casa e quem não recebeu.

Inês: Vocês tão exagerando! Ela é ótima!

Ana: Brigada!

Inês: Me ajudou a achar meu brinco, já! Achar minha bolsa.

Victor: Como você perde coisa! Engraçado que eu nunca te vi com nada!

Rory: Ele é bem observador

Ana: Vou trabalhar!

Diálogo victor e rory ??

Anoitece. Ana fica nas barcas. Tira coisas de sua sacola e espalha pelo chão. Faz sua dança ritual de limpeza, canta e espalha produtos pelo chão.
(Composicao ana)
O foco vai para o andanime. Analu sobe enquanto victor, que estava escondido, desce. Ela danča em cima do andaime como se fosse um palco.
Victor começa a cantar com ela. No início ela se diverte, mas na altura da marcha fúnebre, ja acha assustador
(Dialogo A MANDO DE QUEM?)
Victor se revela em tom de brincadeira e ana relaxa. Deitam na varanda para olhar o céu. olham as nuvens. a fumaça. o cheiro de maçã verde indo embora com o vento. Rory entra e deita ao lado deles

Rory: voces sao muito esquisitos?
Victor: ta perdida pequenininha?
Ana: eu posso cuidar de você
Rory: tá td bem. Eu sou baixinha mas sou um pouco mais velha
Ana: hmmmm
Victor: ta bom, pequenininha
analisam a cidade de cabeça para baixo. comentam sobre os prédios.
DIALOGO ARQUITETO a tres

Amanhece. Rory gira o banco, revelando um altar de ana, preso com pregos atras dos bancos. Victor senta de costas na cadeira com o braco estirado para os lados. Ana continua pegando sol. Ines entra. Para. Desconfia que alguma coisa esta errada.

Ines: engracado. Nao vi voces entrarem na minha frente.
Ana volta trazendo chapeu de festa e aniversario de crianca e cantando parabens para o victor
ele fica emocionado, agradece
ana: quantos anos?
victor nao responde:
ana: hem, quantos anos?
victor, ah, alguns..
ana: aah, diz pra gente! (tenta puxar uma coro) quantos aaaanosss quantooosss anooss (ninguem aocmpanha). dá aqui deixa eu ver sua identidade.
victor: nao trouxe
ana: mentira, tá aqui no bolso, deixa eu ver. (eles brigam um pouco com os braços até que ana  consegue arrancar a identidade dele. olha, fica seria e joga no chao.)
Victor: Ana, ana! (sai atra dela)
Inês: e eu, ue?

ines sai, rory pega a identidade no chao, guarda no bolso,  risca a lista atras da cadeira e sai.

antes de nao me matar

falhei com os prazos. demorei demais para escolher um meio. não dei conta de vocês. não consegui que ninguém se apaixonasse por mim, nunca. reprovei a sétima série. não fui a alguns aniversarios por preguiça. não me comovi com o discurso de dor de ninguém. caí dentro do meu próprio umbigo e me arrependi de nunca tê-lo lavado bem. seria injusto a essa altura não dizer que eu nunca fiz uma carta suicida. que depois de um certo cansaço, você não tem mais nada para dizer. e não tem nada a ver com sorvete, borboleta, relógio, fado. querer dormir quando se tem uma insônia é muito mais parecido com a vontade de se matar que qualquer outra metáfora. é só dormir. sem verso, sem razão, sem preparo. às vezes a gente cansa de ter a pálpebra transparente e a pele ácida. ninguém fica perto muito tempo. é diferente pra nós e pra eles, o tempo. e ai ter que fingir fingir. mas a gente falha. e o apartamento pequeno é grande demais para ser inundado pelo gás. mas vc acha que morreu. e dorme. sem carta. aí vc acorda. e tudo bem. porque você conseguiu dormir e o tempo continua passando esquisito. mas tudo bem. você consegue dormir. tudo bem. tudo bem.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Eu nunca direi isso. (matriz)

Antes de me matar eu não queria dizer mas a gente sempre acaba perdendo o meio do caminho e se vê obrigado a catar as migalhas de palavras que ficam pelo chão. Eu só queria deixar muito claro que eu não o encontrei. O chapéu. Não pelo chapéu, mas pelos minutos que acabam por se transformar em horas, dias, anos, tempos, e.... Eu fracassei com os relógios. Queria ter me tornado aeromoça, só que me esqueço nas ordens e tropeço, e digo  "é engano",gosto da paisagem de cima. Não suporto continuar aqui com a ideia de que sempre terão pessoas apertadas em um metrô a todo o momento.Tenho claustrofobia desde pequena e a superfície agrada até o momento que percebemos a existência dela. Silenciosa. Grande.Aí fico tentando ir cada vez mais fundo, mais fundo, me afogo nas esperanças de um dia conseguir tocá-la.
   Antes de me matar eu queria dizer que mesmo sendo proibido alimentar os animais, até mesmo viajar com eles, eu a alimentei de expectativas frustradas que amargaram ainda mais com o tempo e agora ela está prestes a me vomitar e me deixar esfriar....... boiando.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Antes de... e queria te dizer ....

É.. desde criança eu pensava ter visão de raio-x e isso agora parece não servir pra nada. Os colos, as manhas, as brigas, as tardes de Sol na praia, o sorvete de creme com brownie, a segurança, as mãos dadas, os olhares. Tudo, todos. Distantes agressivos e engraçados. Não lembro de grande parte dos amores que tive, das dúvidas que tive, das crises que tive, das tartarugas que tive, das espinhas que tive, dos filhos que tive provavelmente agora também já não importam. Queria mesmo ter ficado com aquele cara apesar de todo mundo dizer eu merecia melhor. Eu não sei não. Ele parecia bom. Bem bom. Queria mesmo era ter arriscado menos, ou mais ou... Queria ter escolhido mais. Queria não ter escolhido. Poder escolher tudo... Queria transbordar alguma vez, queria explodir, ser totalmente transparente, translúcida e azul tudo ao mesmo tempo girando no ar.. Enquanto isso as pessoas em volta de mim iam esquecendo pouco a pouco tudo o que já tinham vivido, cada pequena informação, cada segundo de toxina mental, cheiro, textura, palavra e voltariam a ser seres silenciosos, espontâneos e burros, ignorantes mesmo. E nesse momento eu explodiria com um grito que seria assim como um canto, um gemido ou algo que ecoasse macio e lento... Poderia ser um fado também. É. Um fado. Depois disso eu não existiria mais, nem ninguém, nem as personalidades, as notícias, os gostos, as lojas, as conversas, os "bom dia!"s, as ambições, as culpas, os pesos, iriam todos comigo. Inclusive não sobraria nem quem pudesse contar essa história depois e fazê-la virar lixo de novo. Não, eu não cairia nesse risco. Eu vou afogar tudo isso comigo, em mim e não vou ser notícia pra ninguém. Não ia sobrar nem a espuma branca no mar negro nem o mar branco no céu... Como é mesmo? Tô apagando os afetos pra lembrar das notícias. Era isso, na verdade. Se alguém perguntar por mim, você diz que eu não to? Que eu nunca existi.
antes de me matar eu queria te dizer, te agradecer, obrigada. ( NAOOO)
antes de me matar eu queria te dar um beijo de baleia. ( NAOOOO)
antes de me matar eu queria tomar um banho quente e ficar um tempo enrolada na toalha. (NAOOO)
antes de me matar eu queria cantar pra alguem dormir.  ( NAOOO)
antes de me matar eu queria que a pequena cantasse.

Antes de me matar eu queria te dizer que vc nao me conhece.
 Apesar de ja me ter segurado no colo e cantado alguns parabéns pra vc.
A sua mentira e a sua doença me mataram um pouquinho a cada dia.
Morro com um vale presente seu na bolsa. Vale um CAVALO.
Nunca troquei pq nunca tive onde amarra-lo.
Vc nao me conhece mas me agrada.

Antes de me matar eu queria te dizer que nao teve um dia que eu nao pensei em vc.
 Que nao senti o seu cheiro.
A sua falta.
Que se fiquei até agora foi pq contigo aprendi sobre as fendas, as brechas, as pisadas falsas.

Antes de me matar eu queria te dizer que o teu sinal foi certeiro.
Que a sua dança conduziu a minha ponta de pé.
Que tudo o que eu tenho aqui é seu. NADA.

Antes de me matar eu queria te dizer que é dificil dizer, porque é presente e o futuro nao vai ter entao talvez vc já saiba.

Antes de me matar eu queria te dizer que nunca te entendi totalmente.
Que nunca fui no teu fundo.
Que sempre vi suas caras e que so isso ja me fazia crescer.

queria te dizer que esse foi o encontro mais lindo.
 A força mais estranha.
A certeza mais bruta.
O escuro mais claro.

e que nada disso tem a ver com vc.

PS: o que acontece com os nervos?
e com as borboletas?
o problema das arvores e da politica me transformam numa vaca nervosa. Sentada de vestido, tomando com canudinho, esperando sua vez de ser abatida. ( NAOOOO)


PSS : ta muito confuso mas se eu for mais racional, fico parada aqui com esse guarda chuva ate o tempo mudar. ( NAOOOO)

desculpa nao consigo mais nada.

Para Inês, antes de morrer

Antes de morrer, queria mesmo é saborear um bom sorvete de tapioca olhando daqui mesmo, pra essa paisagem que eu escolhi. Traria comigo, para trocar, o livro que fiquei na dúvida se ela já teria, ou gostaria, ou já teria lido, ou não. Apagaria da memória dedicatórias esquecidas. Crônicas. Fados. Contos. Viagens. Melodias. Harmonias ausentes. Dores pontiagudas. Náuseas. Quereres que me tornavam apática diante dessa multidão de um milhão de solitários carregados de maquiagem, da aparência que eles me provocavam. Ah, eu teria sido e vencido outros, ruínas que eu mesma construí pra mim, e que hoje eu não colocaria sequer a mão na areia que já se mostrava movediça desde o início. Mas o tempo é tempo, esmagado ou não, ele passa, eu passo e talvez ele não me permita realizar tudo isso, antes de morrer. Se ele me permitir, ainda assim, morro INÊS.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Compondo Rory.

     - Permanecer nas escadas, cantar ou realizar pregações religiosas, danificar ou sujar as embarcações, viajar com animais ou com trajes de banho. ( acende um cigarro e sorri)

*coreografia "o sorriso de Rory"

    -  (dando-se conta) Ah...eu tenho que contar, né? Todo mundo chegou aqui e contou. Tripulação...oito, capacidade por passageiro.... dois mil, sentados são mil e trinta e cinco, em pé novecentos e sessenta e cinco.  Dois mil e oito coletes salva vidas, duzentos de criança. Seis bóias, aparelhos flutuantes....doze , ALI! 1,2,3 ali,ali,ali 4...5. 5 olhares que se multiplicam dessa posição. 6, ALI,ALI. Sete, eu não posso perder nenhum. 8,9 aquele que olha mas finge que não olha. DEZ, DEZ(confunde as palavras e as ordens) desculpa. (cai e ri) eu espio pra fingir que eu não olho. 11, 12,13 (cai e ri) ali, 14,15 ali, desculpa, deixei cair meu pensamento. (gira e repete as informações de forma desconexa até tomar consciência de si)

-   Ihh...A gente nem se conhece. Desculpa. Ai, que exposição desnecessária.... A gente nem se conhece...Eu juro que eu vou sumir, eu juro. Desculpa ,que foi que eu fiz... viver é tao constrangedor e tudo que a gente menos quer dizer fica estampado entre a perna empapada e o azul. Eu nem fumo na verdade. (apaga o cigarro sem graça

* coreografia livro. (até explodir e pegar a maça)

- Eu tenho uma coisa pra falar. Ei! Eu preciso dizer uma coisa que eu comecei a pensar nos últimos minutos. (comendo a maça) Tudo que eu não sei falar inclui esse entre. Eu não sei o que eu estou fazendo aqui se eu odeio esse lugar.  Fico pensando nessas coisas. Ai  uso o esbarrão para tentar quebrar algo que não sei como se fabrica mas as desculpas me atropelam anulando o ato. Eu queria aprender a não pedir desculpas mas essa coisa premeditada  da alegria é muito decadente... Tem um homem aqui, o francês, ele é muito espaçoso e usa uns sapatos enormes. A mulher dele, coitada, é obrigada a lavar todos os dias as barcas ouvindo desaforos diários. Ela consegue ser mais irritante quando esta bem-humorada. O nome dela é Inês porque perdeu toda a cor no mar. Ela era ruiva e deixa tudo , ate a morte , com cheiro de maça verde. Ai todo mundo se banca, se esbarra, se bica, se beija, sinteco. E isso porque são 40 delas soltas pela cidade, 40 delas enquadradas no metro, 40 delas dando bom dias na padaria e quarenta aqui, se esbarrando. Mas de quem eu tenho mais pena mesmo é da pequenininha....tadinha.

- Não vale o que imaginamos e muito menos sorrir desse jeito pra cobrir o silencio que sempre fica e por isso sejamos concretos, ó  bancos, cimento, ferrugem. bolsa, cigarro, veja multi uso maça verde, sapato. O azul se espalha pela barca impossibilitando a busca por outras distrações e todo mundo prefere ficar de olho no meu... Ai eu espio. Eu espio porque é culpa dele. Do azul.

- Eu estava chorando porque era mais fácil do que rir, mas não traria diferença era só agua da baia com derramamento de óleo. Eu estava parada, de olhos fechados, tentando me equilibrar e ouvi uma baleia passando. Nem tao fria que parecesse cínica, nem tao perto para ficar cega. Eu fiquei ali, esperando que a baleia me engolisse, no auge da sua crueldade, ela foi embora e me deixou vivendo. Eu só lembro do barulho do meu estomago. 











quarta-feira, 8 de maio de 2013

COMPOR OU REVELAR?


ELE – COMPOSIÇÃO DE BALEIA

Eu queria começar dizendo que eu encontrei três certezas no processo de ‘’construção’’ dessa composição: a primeira é que não há ninguém mais observador do que eu nesse mundo, só Deus, assim mesmo é páreo duro, Ele leva vantagem pela onipresença; a segunda é que não há ninguém mais transparente do que eu, só a Baía de Guanabara mesmo; e a terceira é que não há ninguém mais sonso do que eu, só mesmo vocês, audiência, público presente.

Então me foi dada ou dada por mim a função de controlar essa história. E aí que eu não to sabendo governar esse troço. Mas como eu sempre preferi a ciência e seu jogo de certezas que variam aos dramas e seu terreno baldio e frágil, eu não quero desistir antes da hora de fracassar completamente.
Vamos trabalhar, durante a travessia, com livre arbítrio (vai ter), (vai ter) destino, (vai ter) universo (vai ter), acaso, conspiração (vai ter), (vai ter) karma, coincidências (vai ter) muitas, causa e efeito, lógica (vai ter), dança de um passo depois do outro (já me faz lembrar o pensamento que tive ao olhar para os pés da Ana enquanto ela andava a minha frente naquela noite).

Até ontem eu tava pouco satisfeito com o processo de compor, então resolvi radicalizar um pouco a minha estratégia e correr atrás da ficção, já que ela tava fugindo de mim. Ou seja, peguei a barca e me propus o desafio de encontrar uma Ana, uma Inês e uma Rory e travar um pequeno diálogo banal, superficial e revelador, provocando de alguma forma uma apresentação por parte delas. Para cada uma delas eu usei uma desculpa sedutora.

A primeira que eu encontrei foi Ana, logo na primeira viagem, e olha que feliz coincidência: vocês lembram aquela faxineira maravilhosa, negona, que eu registrei daquela vez, pegando sol enquanto trabalhava? Pois é, chama-se Ana. Abordei-a, perguntei seu nome, conversamos um pouco e ela me pareceu ser bastante simpática, expansiva, autêntica, bem solar mesmo. Ficamos íntimos com pouquíssimo tempo de viagem. Dei um abraço forte nela. Aí ela me confessou que há uns meses, ela estava na casa dela e que, normalmente, apesar desse jeitão pra fora, ela reclama quando as pessoas vão abraçá-la, fica falando para soltá-la e tal. Mas sempre tem uns dias que ela fica carente e começa a agarrar todo mundo. Aí nesse dia ela tinha dormido a tarde toda e quando era 1h da manhã ela tava super acordada e inventou que àquela hora ela tinha que acordar todo mundo da casa e ficar abraçando, puxando, ficou pulando de um lado pro outro dizendo que as pessoas tinham que conversar com ela. Óbvio que os parentes ficaram meio revoltados com ela, mas no fundo eles gostam.

Depois veio Inês, era uma madame de taiêr, síndica do prédio onde mora. Ela era mais caladona, meio enigmática assim, me instigou bastante. Mas a única coisa que eu consegui descobrir dela, nas poucas palavras que trocamos é que a primeira coisa que ela diz quando acorda é: ‘’quero comer’’. Ela adora tomar café da manhã com ovos mexidos.

A mais difícil de encontrar, claro, foi Rory. Na verdade eu me contentei a achar uma Elisa, Rory não rolou. Elisa falava muito, era nova, usava óculos e era estudante, voltava do Pedro II. Praticamente abriu sua vida pra mim, eu quase não disse uma palavra e ela vomitou em cima de mim, sem pedir desculpa. Disse que tem mania de roubar as calcinhas da irmã; que foi expulsa do balé porque deu um soco na cara de uma coleguinha que dedurou ela pra professora; deixa papel de bala, chocolate, biscoitinhos e outros pequenos lixos que ela usa acumularem rumo à eternidade dentro da mochila; sempre teve o hábito de escrever diários; tem insônia; quando dorme, é com a bunda pra cima e as pernas dobradas, parece um fusquinha; tem problemas com a altura de vez em quando; e se apaixonava por todo mundo na infância e hoje em dia se faz de difícil e distanciada pra não se machucar. Eu tive que forçar uma despedida, pra ir embora.

Foram 17 viagens, das quais eu só paguei 11, o que me dá uma economia 28,80. Prejuízo neles. 6 bilhões 973 milhões 738 mil 433 trocas de olhares humano-máquina, o que inclui celulares, computadores, motores e rampas de acesso. 22 milhões de pelos esquecidos no trajeto, 60% de cabelos alisados e 40% de cabelos in natura. Cerca de 100 mil trocas de olhares entre humanos e 700 milhões de suspiros ansiosos pela chegada. 1974 tabuleiros de pães de queijo preparados para o deleite 815 mil clientes famintos. 2000 litros de mate gelado, sem limão. 14,5 minutos de atraso, à deriva, esperando a passagem de um transatlântico norueguês. 100 mil fotos postadas com a frase: ‘’ERA SÓ O QUE FALTAVA’’. 40 funcionários exemplares tentando acalmar as senhoras incapacitadas. 2.250 palavras possíveis de serem ditas na despedida. 85 mil bicicletas dobráveis. 80 por cento de coletes salva-vidas empoeirados. 100 bengalas presas entre a embarcação e o cais. E, claro, 22 anos, 22 dias, 11 horas e 55 minutos ou 695 milhões 733 mil e 900 segundos de observação de mim mesmo me afastando de mim.

Não bate palma que ela não gosta de barulho quando tá amamentando os filhotes.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Para criar uma ilusão com sucesso, a primeira coisa a conquistar é a confiança. Mas para aperfeiçoar uma ilusão, a falsa realidade deve parecer tão autêntica quanto a escondida.