fragmentos do trabalho de João Castilho

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

[Inês - Fernandinha] [Rory - Elisa] [Ana - Ana] [Victor faz todas as personagens masculinas]


Prólogo

Victor está no palco. Sozinho é sempre ansioso. Seus pensamentos precisam de outras personagens para se construir. Ele inventa para dar sentido às coisas como se sua existência dependesse do seu encadeamento de ideias. Acompanha as pessoas. Descreve e dissimula. O prólogo é dado como se estivesse pensando um romance. As meninas entram cada uma de uma vez. Não o escutam.

Rory entra

Victor: Não que isso tenha alguma importância, mas Rory significa cabelos vermelhos e ela nem é ruiva. Talvez seja esse o trunfo da bailarina, pra ela o 'pra sempre' nunca existiu. Ela não tem amarras, não tenta se segurar em nada enquanto cai... Para cair basta estar de pé.

Ana entra

Victor: Mas Ana não. Não tem nada que seja só dela. As vezes até se confunde nas outras pessoas, olha de relance e pensa ter se visto. "Desculpa, achei que fosse eu". Isso é ótimo. "Achei que fosse".
São 40 delas, soltas pela cidade. Duas delas se esbarram no metrô. Quem esbarra não pede desculpa e a esbarrada, sem perdão, joga a outra na frente do trem que vem chegando. Essa situação provocou uma ação em Paris. Fechem as estações com vidros, de modo que somente as portas se abram, quando o trem chegar. São 40 delas, soltas pela cidade. Duas delas se amam durante meia hora. Duas delas se encaixotam no  centro do bairro. Duas delas envolvidas na produção de pães de queijo. Duas delas na venda de mate supervalorizado. Duas, delas, nota-se o pronome ''minha''. Quantas sobram?

Inês entra

Victor: Inês, ali! preciso lembrar, sem falta, são duas da tarde. Eu preciso falar uma coisa que eu tava pensando agora há pouco. Quando ela  terminar o que tem pra fazer, ela responde?

Inês se encaminha para o segundo andar da barca

Victor: Ah... não sobe hoje, não!!!


Cena 1

Victor observa Inês minuciosamente. Cada gesto dela é um roubo de ar dele.
Victor: Uau. Totalmente Circunstancial!

Inês: Oi?

Victor: haha ai ai. Desculpa. Eu costumo nomear meus encontros com mulheres.

Inês: Isso não é um encontro

Victor: Claro que é. Estávamos os dois passando no mesmo lugar na mesma hora. Probabilidade é matemática.

Inês: Achei que encontro fosse química.

Victor: Erro comum.

Inês: Por que Circunstancial?

Victor: Bom, não é programado, nem almejado, sequer manipulado, evidente, preliminar, autoritário...

Inês: Eu achei um pouco autoritário.

Victor:

Inês: Tudo bem. Eu gosto. Quer tomar um café, ó grande mestre dos encontros?

Victor: O que? e mudar o rumo das coisas? Não, a gente tem que se despedir aqui.

Inês: E se eu não quiser?

Victor: Não depende de você. Qual o seu nome?

Inês: Circustância

Victor: Prazer

Victor faz como quem vai beijá-la. Ela enfia os dedos dentro da sua boca e sai. Ana passa limpando as cadeiras.

Victor: Almejado

Analu: Ihhh, ó, dá licença que eu tenho que limpar toda essa parte aí e se eu parar pra ficar de conversinha não consigo terminar e amanhã vai ser duas vezes pior e nada tão ruim como dormir sabendo que amanhã vai ser pior do que hoje.

Victor: Convincente

Analu: Sai

Ana vai para o fundo de cena até sumir sem que lhe percebam. Rory pula em cima do Homem.
Analu: Te pegou, hem?

Rory: Ah, Desculpa! É que você me deu uma vontade de me jogar assim, sabe?

Homem: É... Ok.

Rory: levantando- se:  Pronto.

Homem embasbacado: Nossa! Eu realmente... Nem sei como reagir. Você me surpreendeu mesmo. Uau... (ri) Parabéns.

Rory: Não me leva a mal. É que se eu não faço, não consigo dormir depois. Fico me remoendo, pensando como seria, virando de um lado pro outro, acabo com as minhas unhas, vira uma questão existencial, sabe? É Sério! Nunca teve isso quando deixou de fazer alguma coisa?

Homem: Já, aham. Eu entendo.

Rory: Ufa! Que bom, tchau

Homem: Não, calma! Isso foi muito inesperado Eu não costumo ficar assim, você realmente..

Rory: Olha, eu realmente, só queria pular em você. Agora dá licença.

Homem: Ei! Seu nome, pelo menos.

Rory: Como se isso tivesse alguma importância. Rory. Significa cabelos vermelhos. E eu nem sou ruiva.


Pausa. Saem cada um para um lado.

CENA 2

Analu atravessa o palco ouvindo um discman. Está atravessando pela segunda vez, quando, depois de passar a segunda metade do palco, faz um contratempo com as pernas e dá uma pirueta de jazz. Continua a andar. Inês entra

Ines: que foi isso?
Ana se assusta: ai
Ines com um sorriso: você girou?
Ana: a senhora pode escolher qualquer um dos dois andares para sentar, desde que use o colete.
Ines: sério. você tava dando uma pirueta antes de eu chegar?
Ana: agora com licença, eu vou ajudar os incapacitados

Ana esbarra em Rory que está entrando e sai

Rory: ai, que desastrada. deixei cair meu pensamento

Ines faz um contratempo com as pernas e dá uma pirueta de jazz sorrindo.
Ines sai.
Ele senta e abre um livro.
Victor entra e senta ao lado dela

Rory: Tantos lugares vazios e ele escolhe ao lado da menina que nunca sequer viu.

Ele olha para ela com expressão de que não queria incomodar. Ela sorri.

Rory: Desculpa. Eu gosto de ler em voz alta.

Ele dá de ombros.

Rory continua a ler o livro. Ele a acompanha com assobios, como se quisesse fazer a música da sua fala. Rory fica cada vez mais nervosa e fala cada vez mais alto. Ele acompanha sem alterar sua expressão. No auge de sua irritação, Rory fecha o livro com força, chuta a canela d'Ele e sai emburrada. Ele segura a canela com a cabeça abaixada.
Ana entra.

Ana: Desculpa, o senhor tem que sair

Ele levanta a cabeça e olha para ela, segurando a perna.

Ana: O senhor é incapacitado?

Ele continua encarando

Ana: Não? Então vai ter que sair sozinho. Obrigada.

Ele sai mancando.

Ana se senta na cadeira onde Ele estava sentado, liga o discman e sapateia.

Blackout lento.


CENA 3

A luz acende devagar

Inês deitada no chão com os pés para cima da mesma cadeira onde Ana estava poucos segundos antes. Com calma, engatinha com os dedos para lados opostos, os braços a 90° do corpo. O movimento é lento e se não fosse interrompida, talvez continuasse até os braços se separarem do próprio corpo e serem perdidos de vista cada um para um lado.

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