fragmentos do trabalho de João Castilho

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

bola de neve

- acordo à noite cheia de terra. atravesso os ossos do peito com meus canudos de dedo. no lugar do coração tem um rato que eu deposito na sua frente. as tripas se mexem na pulsação do diafragma, acho que consigo ver o esôfago dele. o rato está mais vivo do que eu, entende? ele sentia uma dor na barriga que não passava e com as unhas coçava o pelo até arranhar a pele. com a ajuda dos dentes abriu um buraco capaz de passar uma agulha, por onde tentou arrancar seus medos com uma pinça que se derreteu em ácido. conseguiu puxar para fora um pedaço do intestino delgado e seguiu puxando em piruetas imprecisas e lindas, como um palhaço chorando que segue cambaleando por entre os trilhos do bonde procurando o melhor lugar para deitar. o palhaço se encontra entre uma casa daltônica e um ponto de ônibus abandonado. lá seria escuro o suficiente para que não percebessem a sua presença. não que alguma vez alguém o tivesse notado. mas esperava que não fosse logo agora, no fim, que fosse visto. não esperava que fosse antes do início o fim que esperava que fosse logo agora tudo o que queria era ser visto, agora, no início de tudo. deitou-se no trilho, os braços para cima em alto lá, uma margarida de plástico na boca. o tempo passou ao contrário por uma eternidade e logo agora seria certeiro no fim do inicio de tudo de tudo início fim nunca certo. o bonde acelerava depois da curva e o palhaço implorava por clemência. Num instante a rua se encheu, o bonde acelerava, amanheceu, as crianças iam para escola, o bonde acelerava, o palhaço conseguia sentir adrenalina pela primeira vez, o bonde tenta desviar, descarrila, passa em cima da mão alto lá do palhaço e se atira contra um caminhão de gás que explode o bonde, uma igreja, 3 cachorros. do meio da fumaça o palhaço surge dançando em mil piruetas. seu grito é seco. suas mãos estendidas a frente do corpo, onde cindo dedos ausentes agora jatos vermelhos de sangue criam círculos no chão. o rato morre finalmente. e eu consigo dormir, entende?

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